Como os surdos aprendem a escrever?

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Para surdos, escrever é adquirir uma nova língua, diferente da língua de sinais. Já para ouvintes, é dominar uma forma alternativa da mesma língua que já conhecem oralmente.

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A escrita como segunda língua: o caminho dos surdos para a alfabetização

Para a maioria das pessoas, aprender a escrever é um processo natural, quase simultâneo ao desenvolvimento da fala. Entretanto, para surdos, a escrita representa a aquisição de uma segunda língua, completamente diferente da sua língua materna: a Língua de Sinais (Libras, no caso do Brasil). Essa distinção fundamental molda todo o processo de alfabetização e exige abordagens pedagógicas específicas, que reconheçam a riqueza e a complexidade da comunicação em Libras.

A escrita, para um surdo, não é simplesmente a transcrição de algo já conhecido. É a construção de um novo sistema de representação do pensamento, com regras gramaticais, sintaxe e semântica próprias, frequentemente dissociadas da estrutura visual-espacial da Libras. Enquanto na Libras a gramática se manifesta na organização espacial e temporal dos sinais, na língua escrita, essa organização precisa ser representada por meio de palavras, frases e pontuação. Essa diferença exige um esforço cognitivo considerável, demandando um aprendizado paralelo e a construção de pontes entre dois sistemas linguísticos distintos.

Os métodos de ensino tradicionais, focados na leitura labial e na repetição oral, muitas vezes se mostraram ineficazes para surdos. A imposição de um código escrito sem a devida mediação na Libras pode resultar em frustração, dificuldades de compreensão e baixo desempenho escolar. Felizmente, as práticas pedagógicas estão evoluindo, buscando integrar a Libras no processo de alfabetização.

A abordagem mais eficaz é aquela que reconhece a Libras como a língua natural do surdo, utilizando-a como base para o ensino da língua escrita. Isso significa:

  • Utilizar a Libras como língua de instrução: Explicar conceitos gramaticais, vocabulário e estruturas frasais utilizando a Libras, facilitando a compreensão e a conexão entre os dois sistemas linguísticos.
  • Criar pontes entre a Libras e a língua escrita: Explorar as similaridades e diferenças entre as estruturas gramaticais de ambas as línguas, demonstrando como conceitos expressos visualmente na Libras são representados por meio de palavras e frases na língua escrita.
  • Utilizar recursos visuais: Imagens, vídeos e materiais concretos auxiliam na compreensão de conceitos abstratos e na associação entre palavras e seus significados.
  • Incentivar a produção escrita em Libras: Utilizar a escrita como ferramenta de expressão autêntica, permitindo que os surdos utilizem a língua escrita para expressar seus pensamentos e ideias em seu próprio ritmo e estilo.
  • Valorizar a diversidade: Reconhecer que cada surdo possui sua trajetória de aprendizagem e que o processo de alfabetização pode variar em tempo e intensidade.

Em resumo, a alfabetização de surdos exige uma mudança de paradigma. Não se trata de adaptar o surdo à língua escrita, mas sim de adaptar o ensino à realidade linguística e cognitiva do surdo, utilizando a Libras como ferramenta fundamental para a construção de competências leitora e escritora. Somente dessa forma podemos garantir o acesso à educação e o desenvolvimento pleno do potencial desses indivíduos.